TRANSPARÊNCIA É UMA CHAGA COLONIAL

Um grupo de organizações não-governamentais angolanas, na tentativa de sonharem que Angola é um Estado de Direito, continuam a pôr a força da razão acima da razão da força. Agora denunciaram várias irregularidades na construção de infra-estruturas, realizadas no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), que consideram (e bem) indiciar actos de corrupção.

Em conferência de imprensa, o Grupo de Trabalho para a Transparência e Verdade na Recuperação e Reutilização de Activos Recuperados resumiu os resultados de seis meses de monitorização a infra-estruturas sociais, em fase de construção, com a reutilização de dinheiro recuperado no processo de recuperação de activos por intermédio do PIIM.

O relatório, com 62 páginas, divulga informação sobre alguns projectos em andamento, tendo destacado quatro, três desenvolvidos na província de Luanda e um em Benguela.

Sobre o projecto que está a ser desenvolvido em Benguela, João Malavindele, director executivo da OMUNGA, focou a construção de uma esquadra de polícia, com o valor de 33 milhões de kwanzas (pouco mais de 31 mil euros) e uma duração de três meses, mas que ainda não terminou, apesar de uma execução financeira acima de 60%.

João Malavindele referiu que verificaram durante a pesquisa que quer o empreiteiro quer o fiscal da obra não têm estrutura física no município do Lobito (mas que, dizemos nós, são assalariados do MPLA), realçando ainda que a administração não se mostrou disponível para informar se foi realizado concurso público.

“A conclusão a que nós chegamos é que não houve concurso público e, se houve, essas informações deveriam estar disponíveis. A obra está avaliada em 33 milhões de kwanzas (…), mas concluímos que o valor alocado a esta obra é muito avultado comparando com o tipo de obra”, disse.

Segundo João Malanvidele, o relatório concluiu igualmente que “há empresas que são criadas só para fazerem parte desses processos, para ganharem projectos”, porque muitas delas não possuem um “historial de construção”, estando a obra paralisada há um ano por falta de capacidade financeira da empreiteira.

“Essas questões levam-nos a questionar a questão da transparência dos processos de atribuição dos projectos do PIIM, isso é uma das grandes preocupações”, salientou.

Em Luanda, foram apresentadas realidades de três obras, designadamente a construção e apetrechamento de uma escola pública, de 12 salas de aulas, a intervenção profunda em 4,2 quilómetros de estrada, da 7.ª avenida, no município do Cazenga, bem como de uma escola em Icolo e Bengo, com situações idênticas.

Por exemplo, a obra da escola pública, avaliada em quase 270 milhões de kwanzas (cerca de 260 mil euros), teve início em 2020, segundo relatou Rafael Morais, presidente da Uyele — Associação Cívica, e foi embargada por litígio com um banco, que reclama a posse do terreno.

Rafael Morais frisou que todas as tentativas para obter informação sobre a obra junto da administração, da empreiteira, fiscal da obra não tiveram sucesso.

“A falta de resposta constitui uma clara demonstração de desinteresse por parte das autoridades envolvidas em prestar esclarecimentos públicos sobre as suas acções”, disse.

Na pesquisa conclui que “há pouca transparência à volta da execução financeira do PIIM”, acrescendo ainda o facto de “todos os anos serem afectadas verbas para a construção e apetrechamento de obras inscritas no PIIM, mas que nunca conhecem o seu fim”, disse Bartolomeu Milton, presidente da associação Pro Bonu Angola.

“Acreditamos que estas práticas se somam e repetem-se em quase todos os projectos que estão a ser implementados e comprometem-se com a prossecução do interesse público”, vincou.

Por sua vez, o presidente da Associação Mãos Livres, Guilherme Neves, frisou que esta monitorização vai continuar, para se aferir “até que ponto esse dinheiro recuperado realmente está a beneficiar as comunidades, qual é o valor acrescentado disso e porque que se está a usar por via do PIIM e não de outros programas”.

TRANSPARÊNCIA E INTEGRIDADE PROCURAM-SE

Em 27 de Setembro de 2023, o presidente da Administração Geral Tributária (AGT), José Leiria, disse que a transparência é a ferramenta que deve ser utilizada como garantia da integridade nas organizações, devendo ser a principal característica dos funcionários.

José Leiria, que na altura procedeu à abertura do I Fórum Nacional sobre Integridade, organizado pela AGT, referiu que uma das ferramentas mais apontadas para que a integridade de um servidor “seja inatingível” é a transparência.

O responsável destacou a importância da integridade na escolha de um servidor para um cargo, realçando que, em primeira instância, não se olha para “a pessoa que tem mais capacidade técnica”, mas sim para “a pessoa mais íntegra”.

“Aquele que vai olhar para os processos e (cuja) moral não admite que decida diferente daquilo que deve decidir”, sublinhou José Leiria.

Segundo o presidente da AGT, o principal desafio que a integridade apresenta é que não haja vícios, incluindo “merecimentos” indevidos.

“Muitas vezes, nós, enquanto integrantes de uma determinada comunidade, empresa ou órgão da administração do Estado, achamos que merecemos mais do que nos dão e isto acaba por abalar a nossa integridade”, frisou.

O referido fórum, subordinado ao tema “Juntos por Instituições mais Íntegras”, abordou temas como a “Estratégia de Integridade nas Instituições Públicas e Privadas”, a “Efectividade dos Programas de Integridade e o seu Impacto na Formação de uma Cultura Íntegra nas Organizações” e a “Integridade como Princípio de Boa Gestão”.

O director para a Estratégia Empresarial do Porto de Luanda, Cesaltino Cassuanga, referiu, por outro lado, que, no que diz respeito à fraude ou ilícitos em muitas organizações, o problema não está nas pessoas, mas sim na vulnerabilidade das instituições.

“Não é trocando as pessoas que resolvemos o problema, se trocamos as pessoas e as vulnerabilidades continuarem, o problema mantém-se”, salientou.

E por falar em integridade, ou seja em mais do mesmo, recorde-se que em 2017, o então ministro das Finanças apelou para a integridade no exercício de funções públicas.

Na altura, 14 de Dezembro de 2017, a AGT realizou no auditório do Ministério do Interior, um workshop sobre “Integridade e os Instrumentos da Organização Mundial das Alfândegas”.

Presidido pelo então ministro das Finanças, Archer Mangueira, o evento visou a troca de experiências e conhecimento, no que tange à justiça, transparência e combate à luta contra a corrupção entre os funcionários da AGT. O quadro sénior da Agência Tributária de Espanha e perito da Organização Mundial das Alfândegas (OMA), Álvaro Fernandez, foi o prelector do tema e um dos convidados especiais que a instituição tributária angolana junto para as comemorações do seu terceiro aniversário.

Na sua intervenção, o ministro Archer Mangueira disse que “o momento actual exige de nós uma mudança de mentalidade e compromisso, no que se refere à luta contra a corrupção, contra a impunidade e contra todos os males que ainda enfermam a nossa sociedade”. A necessidade de transparência na actuação dos servidores públicos, bem como o combate ao crime económico e à corrupção que grassa em algumas instituições, em diferentes níveis, “constitui uma importante frente de luta a ter seriamente em conta, na qual temos o dever de participar”, sublinhou.

Por sua vez, o perito da OMA, Álvaro Fernandez, apontou como aspectos essenciais para o combate a corrupção nas instituições públicas, a formação contínua dos quadros, remunerações justas e de acordo com a função e ainda uma maior sensibilização, tanto a nível externo como dentro da instituição.

Na altura, o presidente do Conselho de Administração da AGT, Sílvio Franco Burity, frisou, aquando do encerramento do evento, ser imperioso que os funcionários da AGT “vistam a camisola” e que estejam comprometidos com os procedimentos, a missão e os valores da instituição. O PCA da AGT pediu por uma maior actuação do Gabinete de Auditoria e Integridade, dos Recursos Humanos e também do Gabinete de Comunicação, no tratamento das questões que mancham a integridade na AGT.

A título de exemplo refira-se que a Primeira Repartição Fiscal de Luanda acolheu em Abril de 2018 o acto de lançamento da primeira “Campanha Nacional de Disseminação do Código de Conduta, Ética e Decoro Profissional na AGT”, em conformidade com o plano de actividade da Administração Geral Tributária.

Impulsionada pela área de Promoção da Integridade (DPI) e de acordo com o “Plano de Actividades do Departamento de Promoção da Integridade para o ano de 2018”, a acção decorreu nos dias 24 e 25 de Abril e contou com a presença de 47 funcionários.

A iniciativa visou o cumprimento do programa permanente de sensibilização aprovado pela administradora do Conselho da Administração da AGT, Teresa Domingos Narciso Neves, que a nível nacional deve massificar a disseminação do Código de Conduta, Ética e Decoro Profissional da instituição.

O Departamento de Promoção da Integridade (DPI) é parte do Gabinete de Auditoria e Integridade Institucional (GAII) e vela pelo cumprimento das normas relativas a ética e deontologia profissional na Administração Geral Tributária.

O Departamento de Promoção da Integridade tem igualmente a missão de manter a integridade na AGT, por forma a promover um padrão ético e comportamental aceitável, a ser observado pelos funcionários, bem como organizar o programa permanente de sensibilização sobre a ética profissional do pessoal da AGT, incluindo a promoção da integridade, a boa governação e o combate a corrupção.

Legenda. No dia 5 de Julho de 2017, o hotel Mercure, em Lisboa, acolheu a Conferência “Angola, Que Futuro?”, uma iniciativa conjunta das associações portuguesas Frente Cívica e Transparência e Integridade e do jornal Folha 8.

Folha 8 com Lusa

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